Presidente eleito estuda plano Arminio-Tafner para Previdência
Texto prevê instituição de idade mínima, uma transição mais veloz do que a sugerida pelo projeto Temer e um regime de capitalização
Em meio às discussões sobre qual modelo de reforma da Previdência levará adiante em seu governo, a equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) terá à sua disposição uma proposta mais ampla de mudanças nas regras de aposentadoria e pensão no Brasil, formulada pelo grupo coordenado pelos economistas Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, e Paulo Tafner, especialista em Previdência.
O texto já foi entregue ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe no dia seguinte à eleição de Bolsonaro. O time do presidente eleito ainda não decidiu se vai apoiar o avanço da reforma ainda este ano, mas a primeira sinalização de Guedes após a eleição foi a de que a mudança na Previdência é a prioridade da agenda econômica do novo governo.
O texto prevê a instituição de uma idade mínima, uma regra de transição mais veloz do que a sugerida pelo atual presidente Michel Temer e a instituição paulatina de um regime de capitalização (pelo qual o trabalhador contribui para uma conta individual) sem um custo tão expressivo no momento da transição.
Esses pontos convergem com o discurso de Guedes, que já vinha defendendo a necessidade não só de promover mudanças “paramétricas” (isto é, nas regras de concessão do benefício), mas também de instituir um regime de capitalização para garantir a sustentabilidade das contas da Previdência no longo prazo. As discussões avançaram ao longo dessa semana.
A proposta de Armínio e Tafner deve proporcionar uma economia de R$ 1,27 trilhão em uma década, um ganho fiscal superior aos R$ 802,3 bilhões que seriam poupados com a reforma original de Temer (reduzidos a pouco mais da metade após o Congresso Nacional pressionar e desidratar o texto).
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Armínio Fraga diz que já houve conversas com a equipe de Bolsonaro, mas o ex-presidente do BC no governo FHC prefere não dar detalhes. “A reforma que o governo Temer apresentou tinha bastante impacto e depois foi meio aguada”, afirma. Ele diz que tem convicção de que é preciso uma reforma que gere um ganho maior, de mais ou menos R$ 120 bilhões por ano, capaz de ter um forte impacto nas expectativas.
“É um problema sim, e aprovar o que lá está é bom. Mas não resolve. Não chega nem perto de resolver”, diz. Se for aprovada proposta de Temer, seria preciso já no ano que vem fazer mais. “Como chegar lá é questão tática”, afirma. Segundo ele, existem várias possibilidades de incrementar a proposta que já está no Congresso. “Um seria uma coisa mais radical e outra seria fazer adaptações”, diz.
A ideia geral da proposta Armínio-Tafner é fixar idades mínimas iniciais (de 53 anos para mulheres e 55 anos para homens, no caso dos trabalhadores da iniciativa privada), que aumentariam com o passar do tempo até atingir a idade mínima final de aposentadoria, de 65 anos sem diferenciação por gênero. A transição proposta pelo grupo seria mais rápida do que a proposta atual. Há regras específicas para professores, policiais e servidores públicos.
Os militares, que passaram ilesos na reforma de Temer, também seriam atingidos pela proposta de Armínio e Tafner. A ideia é que eles não tenham de cumprir uma idade mínima de aposentadoria, mas passem a receber um benefício proporcional ao tempo de serviço. Na prática, quem migrar para a reserva muito cedo deixará de receber uma parte do valor que ganha na ativa.
Também fica assegurado um benefício universal, que será pago a todos os brasileiros que tiverem 65 anos ou mais, mesmo que nunca tenham contribuído para o INSS, mas que seria correspondente a 70% do salário mínimo em 2020. Armínio diz que Tafner foi muito criativo e calculou o índice Gini da Previdência. Nos cálculos da economista, o indicador cairia mais de 16% nos anos de 2016 e 2017 caso a proposta já estivesse em vigor, o que demonstra que as medidas sugeridas têm potencial de reduzir a desigualdade de renda no País.
“Mas tem um outro lado que é mais negativo e que é preciso ter em mente, que é a trajetória de gastos da Previdência e a trajetória maior das contas públicas, que é totalmente insustentável”, alerta. Ele diz que vê com apreensão a resistência dos políticos em aprovar uma reforma. “É uma questão de liderança. Isso é o papel de um governo eleito debater a ideia e mostrar com clareza que nós estamos num caminho suicida”, afirma.
Nova Previdência
A proposta Armínio-Tafner também prevê a implementação gradual de um regime de capitalização, que prevê a contribuição para contas individuais, apenas para trabalhadores nascidos a partir de 2014 (que ingressarão no mercado de trabalho a partir de 2030). Ao contrário do modelo do Chile, que adotou a capitalização em substituição a um regime solidário como existe no Brasil (pelo qual as contribuições dos trabalhadores bancam os benefícios dos aposentados), a ideia dos economistas é que os dois sistemas convivam ao mesmo tempo.
Na prática, a lógica da capitalização se aplicará apenas para trabalhadores que contribuírem para a Previdência sobre valores maiores, próximos ao teto do INSS. Com isso e com o gradualismo da mudança, o governo evitará uma perda expressiva de receitas que existiria caso o Brasil adotasse um sistema de capitalização puro como fez o Chile. Nos cálculos do grupo, o governo deixaria de arrecadar apenas R$ 9 bilhões na primeira década do sistema, a partir de 2030, dinheiro que migraria para as contas individuais.
A proposta Armínio-Tafner foi construída ao longo de meses por um grupo formado também pelos economistas Leonardo Rolim, Marcelo Pessoa, Miguel Foguel, Pedro Nery, Sergio Guimarães e Rogério Nagamini.
Como funciona?
- Valerá para nascidos a partir de 2014 (com possibilidade de abrir opção de adesão aos nascidos a partir de 2000). Isso significa que, na prática, somente a partir de 2030 haverá trabalhadores no novo sistema;
- Baseada em três pilares: benefício universal para todos os brasileiros acima de 65 anos; uma camada de repartição (em que as contribuições dos trabalhadores bancam os benefícios dos aposentados) e uma camada de capitalização;
- Dentro do teto do INSS, haverá um “subteto” que corresponderá a partir de 2040 a 70% do limite do regime geral (o que hoje seriam R$ 3.284,27). Essa parcela ficará no modelo de repartição, como é hoje;
- Na prática, o regime de capitalização é acionado para aqueles que contribuírem sobre um salário acima dos 70% do teto. Nesse caso, a parcela correspondente da contribuição vai para a conta individualizada. A alíquota da capitalização será de 8,5%;
- No futuro, é possível alterar o porcentual que “divide” os regimes de repartição e capitalização (por exemplo, prever que as contribuições irão para as contas individuais quando estiverem na parcela acima de 50% do teto do INSS).
Exemplo
Um trabalhador nascido após 2014 e sob a Nova Previdência contribui sobre o teto do INSS (R$ 5.645,81). O valor dessa contribuição é de R$ 621,04. Nada muda nesse valor que será pago pelo contribuinte, apenas na distribuição.
Dentro do salário de contribuição, que é o teto, a parcela da capitalização seria R$ 1.693,74. É sobre esse valor que se deve aplicar a alíquota de 8,5%, o que resulta em R$ 143,97 que serão destinados à conta individual do trabalhador. O valor restante da contribuição segue sendo arrecadado pelo INSS.
A mesma lógica de distribuição valerá para a contribuição feita pelo empregador.
Quando for se aposentar, parte do benefício será calculada pela regra geral (que incluí o benefício universal e a parcela das contribuições), e a parcela da capitalização dependerá do volume de depósitos.
Fonte: Jornal Estadão
Texto Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo 01 Novembro 2018 | 05h00