A revogação de um benefício fiscal anteriormente concedido configura aumento indireto do tributo e, portanto, está sujeito ao princípio da anterioridade tributária.
O entendimento é da juíza Sílvia Figueiredo Marques, da 26ª Vara Cível de São Paulo. A magistrada autorizou uma empresa de construção civil a seguir com o recolhimento da Contribuição Previdenciária Sobre a Receita Bruta (CPRB), em vez de pagar as contribuições previdenciárias com base na folha salarial, até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal decida colegiadamente sobre a prorrogação da desoneração da folha.
As contribuições sobre a receita bruta são menos onerosos que os feitos sobre a folha. Passaram a ser permitidos a empresas com alto índice de empregabilidade, para estimular postos de trabalho.
Segundo a juíza, apesar da decisão monocrática do ministro Cristiano Zanin, do STF, suspendendo trechos da lei que prorroga a desoneração, é preciso aplicar a anterioridade nonagesimal, que só deve contar a partir de eventual decisão colegiada do Plenário do Supremo pela manutenção da monocrática.
“Entendo que a melhor solução, de fato, é a concessão da ordem para autorizar o recolhimento da CPRB, pela impetrante, nos termos da Lei 14.784/23, até 90 dias após a publicação da decisão a ser proferida pelo Tribunal Pleno do STF na ADI 7.633”, disse a juíza.
A decisão acolhe o argumento de que a Constituição exige a observância da regra da reserva do Plenário para declarar, ainda que liminarmente, a inconstitucionalidade ou constitucionalidade de qualquer ato normativo.
Na ação, a empresa de construção afirma que poucos dias depois da decisão de Zanin que suspendeu a prorrogação da desoneração, a Receita Federal apresentou nota informando que todas as empresas beneficiárias deveriam passar a recolher as contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento.
A medida valeu, inclusive para a competência de abril de 2024, ainda que a decisão de Zanin tenha sido dada no dia 25 daquele mês e, posteriormente, suspensa pelo próprio ministro.
A aplicação imediata, afirma a empresa, teria ofendido a segurança jurídica e a expectativa legítima a não surpresa, sem dar tempo para que a impetrante pudesse se organizar financeiramente.
Atuou no caso a advogada Isabella Tralli, sócia do VBD Advogados. Para ela, as idas e vindas sobre a desoneração criaram um cenário de total insegurança jurídica, levando diversos contribuintes ao Judiciário.
Entenda
A decisão de Zanin sobre a prorrogação da desoneração foi suspensa pelo próprio ministro em 17 de maio, o que foi mantido pelo Plenário do Supremo. O ministro deu 60 dias para que Legislativo e Executivo cheguem a uma solução consensual sobre a desoneração.
Em 17 de julho, o ministro Edson Fachin prorrogou a medida até 11 de setembro. Ou seja, os efeitos da decisão que barrou a desoneração estão suspensos temporariamente de toda a forma.
A disputa entre Legislativo e Executivo, que foi parar no Judiciário, envolve a Lei 14.784/2023, que prorrogou a desoneração da folha até 31 de dezembro de 2027.
No final de 2023, com o objetivo de equilibrar as contas públicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou a Medida Provisória 1.202/2023. O texto previa a retomada gradual da carga tributária sobre 17 atividades econômicas e a limitação das compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais, além da volta da tributação sobre o setor de eventos.
Na sequência, o Congresso aprovou a Lei 14.784/2023, que, além de prorrogar a desoneração desses setores, diminuiu para 8% a alíquota da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento dos municípios. A norma foi vetada por Lula, mas o veto foi derrubado pelo Congresso.
Na sequência, o PT foi ao Supremo, via ação direta de inconstitucionalidade, questionar a validade de dispositivos da lei. Zanin suspendeu trechos da norma e depois paralisou os efeitos de sua própria decisão para dar tempo para o Executivo e o Legislativo chegarem a um consenso.