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Tribunais brasileiros descumprem prazos estipulados pela LAI e não permitem recursos


Certas obrigações básicas previstas de forma expressa na Lei de Acesso à Informação (LAI) são descumpridas pelos tribunais brasileiros. Um levantamento feito pela revista eletrônica Consultor Jurídico nos 27 Tribunais de Justiça, nos seis Tribunais Regionais Federais, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal mostrou que um quarto deles não seguem os prazos da LAI e 77% não possibilitam recursos.

Conforme diz o artigo 11 da LAI, um pedido de informação deve ser respondido pelo órgão público em, no máximo, 30 dias. Já o artigo 15 prevê que o cidadão tem o direito de “interpor recurso”, cujo prazo para nova resposta é de cinco dias.

Mesmo assim, entre os 35 tribunais testados pela reportagem, nove deles (25,7% do total) não responderam dentro do prazo de 30 dias. Já a possibilidade de recurso é ignorada por 27 cortes (77,1%) — o que inclui tanto as que seguem os prazos quanto as que os descumpriram.

Para chegar a essas conclusões, a ConJur fez pedidos via LAI por meio dos sistemas eletrônicos de informações ao cidadão (e-SICs) dos 35 tribunais. As manifestações foram disparadas entre o fim de maio e o início de junho.

Os dados solicitados foram: o número de julgamentos virtuais feitos no tribunal entre 2020 e 2023; a especificação do total a cada ano; e alguns esclarecimentos sobre o modelo adotado e a possibilidade ou não de sustentação oral dos advogados.

Prazo ignorado

Os nove tribunais que não responderam os pedidos dentro do prazo de 30 dias foram: TJ-AC, TJ-CE, TJ-PA, TJ-PR, TJ-PE, TJ-RO, TJ-RR, TJ-SP e TJ-TO.

Até o momento da publicação desta reportagem, três dessas nove cortes chegaram a enviar uma resposta, mas somente após o fim do prazo estipulado pela LAI. As outras seis sequer se manifestaram.

O TJ-AC respondeu com um atraso de seis dias. O TJ-PR demorou dois dias a mais do que o permitido. Já o TJ-SP falhou em cumprir o prazo da LAI por um dia.

No e-SIC do tribunal paulista, porém, tal atraso não é contabilizado. Isso porque, uma semana após o registro da manifestação, a corte pediu um complemento: perguntou se o pedido se referia “a julgamentos virtuais ou a sessões de julgamento telepresenciais no segundo grau” — embora a expressão “julgamentos virtuais” tivesse sido usada de forma expressa no pedido.

A Seção de Gerenciamento do SIC alegou que “a dúvida surgiu porque o solicitante cita julgamento virtual, mas faz referência à sustentação oral”, embora o pedido buscasse justamente saber se havia sustentação oral nos julgamentos virtuais.

Após o esclarecimento de que o pedido não se referia a sessões telepresenciais, uma nova manifestação foi aberta de forma automática no e-SIC do TJ-SP. Assim, o tribunal considera que cumpriu o prazo porque passou a contá-lo a partir do registro do complemento, e não a partir do pedido original.

O prazo de resposta estipulado pela LAI, na verdade, é de 20 dias, prorrogável por mais dez “mediante justificativa expressa”. Na prática, porém, os tribunais não justificam, nem informam essa prorrogação, ou seja, levam em conta um prazo de 30 dias desde o início.

Apesar de ter cumprido o prazo previsto na LAI, o TRF-1 informa no próprio e-SIC que seu prazo é, na verdade, de 30 dias, prorrogável “por igual período”. Para dobrar o prazo da lei, a corte se baseia em uma resolução interna.

Recurso ignorado

O problema mais frequente nos e-SICs dos tribunais é a impossibilidade de recurso. Na maioria das cortes testadas, o cidadão não tem a opção de recorrer caso entenda que o seu pedido não foi respondido de forma adequada e completa, ou mesmo quando não há resposta dentro do prazo.

Os únicos oito tribunais que permitem recursos (e deixam isso claro) são: STF, TRF-2, TRF-4, TJ-GO, TJ-RJ, TJ-RS, TJ-SP e TJ-TO. O STJ — cujo e-mail de resposta informou de forma expressa que “não cabe recurso” — e todos os demais TRFs e TJs não contam com essa opção.

Em alguns casos, mesmo sem a opção de recorrer, é possível “improvisar” recursos. O e-SIC do TRF-1, por exemplo, não permite recursos. De início, a corte se negou a responder o pedido, pois alegou que isso exigiria trabalhos adicionais — uma exceção prevista na LAI.

ConJur, então, criou uma outra manifestação no e-SIC, com menção ao protocolo do pedido anterior; explicou que o novo pedido se referia ao exercício do direito de recurso garantido pela LAI; e argumentou que o tribunal não justificou de forma suficiente sua suposta incapacidade de apresentar uma resposta sem trabalhos adicionais.

Mais tarde, o TRF-1 reconheceu a nova manifestação como um recurso e forneceu os dados sobre julgamentos virtuais. Ou seja, o e-SIC não dava a opção de recurso, mas, na prática, foi possível recorrer e obter a resposta.

Isso não foi testado em todos os tribunais — até porque a maioria forneceu os dados sem contestações. Por isso, é possível que a improvisação de recurso também funcione nos e-SICs de outras cortes. De qualquer forma, a maioria dos sistemas não deixa claro que existe a possibilidade de recurso.

O TJ-AM, por exemplo, informou que eventuais manifestações “ao teor” da sua resposta poderiam ser encaminhadas a um endereço de e-mail, “fazendo menção ao respectivo processo administrativo”. Não ficou claro se isso seria um recurso.

Já o TJ-DF citou a possibilidade de recurso, prevista na LAI e em uma portaria interna, mas não especificou como seria possível registrá-lo. O formulário do e-SIC não tinha essa opção.

O advogado Bruno Morassutti — diretor de advocacy da Fiquem Sabendo (organização sem fins lucrativos especializada em transparência e acesso à informação) e membro do Conselho de Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU) — diz que os tribunais precisam informar a possibilidade de recurso.

Morassutti lembra que isso é um padrão no Poder Executivo, mas não ocorre no Judiciário: “O direito a recurso nos tribunais é muito difícil”. Segundo o advogado, faltam orientações sobre onde apresentá-lo, o responsável por respondê-lo e a possibilidade de levá-lo ao Conselho Nacional de Justiça.

Ele explica que o CNJ, por ser um órgão de controle, analisa recursos de pedidos de informações via LAI em última instância. Mas, para isso, é preciso esgotar tais possibilidades nos tribunais.

Acesso negado

Em tese, 26 tribunais responderam dentro do prazo. Na prática, entretanto, nem todas as respostas foram suficientes ou mesmo compreensíveis.

Apenas duas cortes se negaram a fornecer os dados sobre julgamentos virtuais. O TRF-1 foi uma delas, mas voltou atrás após o recurso improvisado.

Já o TRF-3 não informou os dados na resposta ao pedido feito pelo e-SIC. Em vez disso, a Ouvidoria-Geral apenas sugeriu que a ConJur entrasse em contato com a Secretaria Judiciária da corte. Não havia como recorrer.

Outros dois tribunais enviaram respostas incompletas, sem possibilidade de recurso. O STJ informou apenas o total de julgamentos virtuais feitos desde 2020, mas não os separou por ano. Já o TJ-AL forneceu os dados somente até o ano de 2022 e não explicou o motivo de ter ignorado 2023.

Houve ainda uma resposta ininteligível. O TJ-BA não respondeu efetivamente, mas apenas enviou um parágrafo com contatos, endereços e nomes de servidores, sem pontuação, nem espaçamento adequado. Também não foi possível recorrer.

Assim, se somados o TRF-3, o STJ, o TJ-AL e o TJ-BA aos nove tribunais que não cumpriram o prazo, chega-se ao total de 13 cortes (37% do total) que não apresentaram respostas claras e em conformidade com a LAI.

Outros problemas

O STJ e o TJ-BA também não informaram os responsáveis pelas respostas aos pedidos — algo feito por todos os demais tribunais.

Sem resposta completa, nem possibilidade de recurso, o STJ ainda apresentou outro problema: o cadastro no site da sua Ouvidoria, de início, não funcionava. Assim, a princípio, não era possível registrar um pedido de informação.

A questão só foi resolvida oito dias depois da primeira tentativa, após sucessivos contatos com o suporte técnico de informática da corte.

Outros quatro tribunais — TRF-2, TJ-AL, TJ-ES e TJ-SC — não geraram um número de protocolo para o pedido de informação logo após o seu registro. Ou seja, até o momento da resposta, não era possível consultar o andamento dos pedidos. Os protocolos dos três TJs foram mencionados nas respostas. O TRF-2 não informou qualquer número.

Além disso, em outros pedidos de informações paralelos, dois tribunais (TRF-3 e TJ-MT) não souberam informar o link para os relatórios estatísticos de seus e-SICs. Isso também não estava disponível de forma intuitiva nos respectivos sites.

Morassutti aponta ainda outra falha comum: os tribunais não divulgam listas de informações classificadas e seu grau de sigilo, o que é exigido pelo artigo 30 da LAI. Em geral, só é possível descobrir que alguma informação é secreta ao pedi-la e receber a negativa.

Lei mal aplicada

Embora acredite que a situação melhorou desde a edição da LAI, o advogado considera que a transparência e o acesso à informação nos tribunais ainda estão muito longe do ideal.

Com o descumprimento reiterado da lei, “os cidadãos acabam sem conseguir acesso às informações públicas a que têm direito”. Além disso, “a reputação institucional fica prejudicada, pois se fortalece a percepção de que os tribunais são instituições opacas e não interessadas em prestar contas”.

Isso ocorre, segundo ele, devido à ausência de organização e planejamento adequados para cumprir a LAI. Os tribunais também não priorizam melhorias nessa área, “como sistemas melhores e mais aderentes a boas práticas já adotadas em outras esferas de governo”.

Há ainda a falta de fiscalização efetiva, que deveria ser feita pelas autoridades de monitoramento dos próprios tribunais e também pelo CNJ.

Cada corte tem uma autoridade interna que deveria verificar se a LAI é seguida. Caso constatado o descumprimento, o correto seria investigar os servidores responsáveis. Se as justificativas não forem plausíveis, há espaço até mesmo para abertura de procedimentos administrativos disciplinares (PADs) e punições.

O CNJ também deveria punir os tribunais que descumprem a LAI de forma reiterada. A Corregedoria Nacional de Justiça (órgão do CNJ) é responsável por fiscalizar o cumprimento das normas administrativas das cortes. “Dentro disso estão as normas de transparência”, indica Morassutti.

Na sua visão, uma solução para o cenário atual da LAI é uma maior fiscalização, principalmente pelo CNJ, com “punição de agentes responsáveis em caso de descumprimento reiterado”.

O CNJ também deveria, segundo o advogado, aprimorar a sua Resolução 215/2015, que trata da aplicação da LAI. Ele sugere “melhores requisitos para atendimento por transparência passiva”.

Por fim, Morassutti ainda cita a “abertura de diálogo com a sociedade civil organizada, para coletar feedbacks sobre melhorias”.

Fonte: https://www.ibdp.org.br/2024/07/11/tribunais-brasileiros-descumprem-prazos-estipulados-pela-lai-e-nao-permitem-recursos/

Publicado em 11/07/2024.